domingo, 20 de julho de 2014

Capítulo 5 - Revolução: A Homorevolta (Cont.)

Passaram-se dois dias até que William a Raul se convencessem de que era seguro procurar algum lugar para passar mais do que alguns minutos descansando. Nós havíamos corrido e caminhado por dentro da densa floresta e eu, com certeza, não sabia onde estávamos. Hugo, surpreendentemente, parecia bastante orientado:

- Nós não podemos seguir por esse caminho! Ainda estamos longe da fronteira de Naquim e Conde Rafael deve estar patrulhando as estradas principais!
- O que sugere então Hugo? Eu sinto muito, mas eu estou perdido!
- Eu também! E isso é algo difícil, porque já andamos muito por Naquim! E quanto a você Raul?
- Eu sei onde estamos...mas também não sei o que fazer agora! Nós fugimos sem qualquer suprimento e Naquim se tornou um reino muito pobre desde que Conde Rafael começou as "caçadas", de modo que nem sei se valeria a pena sairmos da floresta e nos arriscarmos a sermos pegos em outro vilarejo, porque não sabemos onde há suprimentos!
- Isso não é bom...mas você tem alguma ideia Hugo?
- Nós podemos seguir aquele rio que vimo há alguns metros atrás, então chegaremos até Finnel...este era um vilarejo perto do meu, onde Conde Rafael estabeleceu uma base, então ainda deve ter suprimento lá!
- Você é louco Hugo?! Por que iriamos em direção a uma base de Conde Rafael?!
- Essa é a nossa opção mais viável...ou iremos morrer de inanição! Além disso, essa é uma das poucas bases nas quais eu nunca vi muito trânsito de pessoas.
- Eu acho que essa é a opção mais viável meu amor!
- Mas você sabe que ele me conhece!
- Por que Conde Daniel conheceria um mero camponês como você?!
- Err...é somente um modo de dizer Raul!
- Não...Ele conhece você! E eu quero saber o porquê!
- Calma Raul!...Pessoal, eu acho que teremos que contar a verdade, ou não conseguiremos cooperar para sobreviver!
- Desculpem-me!
- Não se preocupe meu amor! Isso ia ter que acontecer algum dia, então é até melhor que seja agora, porque talvez eles cooperem conosco para te proteger!
- Por que eu deveria proteger ele, especificamente?...Você não é um camponês, certo?
- Não Raul...olha, nós vamos explicar tudo...
- ENTÃO EXPLIQUE LOGO!
- NÃO GRITE COM O MEU IRMÃO! Eu vou explicar tudo, mas quero deixar muito claro que você nos tratava como bem queria dentro daquele acampamento, então se você não se comportar eu vou te deixar incapacitado de dizer qualquer outra coisa!...Veja bem, o meu querido irmão aqui é o filho do Rei Otávio, de Heliópolis, este é o namorado dele, o único camponês de verdade, do vilarejo de Luminus, e nós somos oficiais da guarda pessoa do pai de Felipe.
- Vocês mentiram para mim?! Eu os acolhi e vocês simplesmente mentiram para mim?! Por que?
- É simples Raul, me diga o que você acha de Heliópolis?
- É um reino soberbo no qual todos são contra os casais homoafetivos! Eu odeio aquele lugar!
- Aí está a sua resposta! Nós não poderíamos dizer a verdade sem sermos odiados logo de primeira, então preferimos omitir nossas reais identidades e mostramos a você como poderíamos ser úteis! Pode dizer o que quiser, mas nós realmente contribuímos muito quando o acampamento ainda contava com pouquíssimas pessoas!
- Isso é verdade...mas eu não gosto de mentiras!
- Ninguém gosta Raul...mas foi necessário!
- Mas o que dois casais como vocês faziam em Heliópolis! Aquele lugar está aliado a Conde Rafael! E já matou mais homossexuais do que qualquer outro lugar!
- Não é bem assim Raul, o meu pai realmente condenava o homossexualismo até algum tempo atrás e realmente tirou algumas vidas ao longo dos anos, mas não tem qualquer participação nessas "caçadas" de Conde Rafael! Inclusive este é o motivo de estarmos aqui, já que tivemos que fugir de Heliópolis, pois Conde Rafael queria me executar com o suposto aval do meu pai, que na verdade era contra isso e arquitetou a minha fuga, junto com os seus fiéis oficiais, que aqui estão.
- Espera, então o Rei Otávio era contra isso?
- Sim! Bem, ele nunca seria a favor das "caçadas" e também passou a não ser contra o homossexualismo...bem, o que eu posso dizer? Ter um filho nessa "situação" pode mudar uma pessoa e....eu acho que ele estava me protegendo o tempo todo!
- Como assim?
- Veja bem, o meu pai me exilou quando descobriu que eu era homossexual e eu o odiei por fazer aquilo comigo...mas eu tenho refletido sobre isso...talvez ele não tivesse tanta escolha como eu pensava e estivesse me protegendo de Conde Rafael...Ele não me executou e acho que não poderia me deixar livre sem que isso chegasse ao conhecimento de Conde Rafael, então preferiu me exilar...o que foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, porque eu encontrei o Bernardo! Mas pensando sobre o meu pai, eu acho que o odiei sem saber que ele estava fazendo o melhor por mim!
- Nossa, eu não imaginava que Rei Otávio era assim...eu achei que ele fosse um ditador, que caçava os homossexuais! Mas então por que ele se aliou a Conde Rafael?
- Bem, isso é uma coisa de família! A minha mãe, que era a favor das relações homoafetivas, tinha um grau de parentesco com o Conde Rafael, por isso o reino dele sempre teve relações boas com Heliópolis, mas agora o Conde acha que tem direito a metade de Heliópolis, agora que a minha mãe morreu!
- A sua mãe morreu? Eu sinto muito...ela realmente era uma ótima pessoa...eu conheço várias pessoas de confiança que afirmaram que ela era uma pessoa generosa e solidária com o seu povo!
- Ela era tudo isso sim! E muito mais! Mas agora preciso que você me responda, ainda vamos seguir como um grupo já que você sabe da verdade?
- Eu acho que sim Felipe...eu realmente não aprecio mentira, mas acho que posso entender os motivos de vocês...eu sei que pareço irracional e às vezes ajo assim, mas eu também posso ser compreensivo!
- Nesse caso, agora precisamos resolver se seguremos o plano do Hugo, que tem dois grandes riscos: encontrar a base cheia de pessoas, com as quais não poderemos lidar e, especificamente para o Felipe, encontrar com o Conde Rafael, que já o conhece!
- Felipe...se você realmente estiver disposto a enfrentar os riscos, eu acho que essa é a nossa melhor aposta!
- Eu acho que posso fazer isso! Eu me sinto bem mais confiante atualmente, do que há alguns dias! Então vamos seguir esse plano, antes que definhemos aqui!
- É assim que se fala discípulo! Vamos logo!

Nós voltamos até o ponto em que um rio de águas rasas cortava a floresta, então o seguimos em sua margem esquerda em direção ao norte. Após meio dia de caminhada, nós chegamos a uma área em que a floresta se tornou menos densa, então Hugo disse:

- Vamos parar aqui e planejar a nossa entrada. Eu acho que eu e Raul, que somos nativos daqui, deveríamos ir primeiro, então, conforme a situação, nós voltaremos para buscá-los.

Ninguém discordou do plano, seja por assentimento ou por falta de energia. Bernardo, William, Tomás e eu nos sentamos encostados a troncos de árvores e esperamos pelo que pareciam ter sido horas, até que Hugo voltou dizendo:

- Pessoal, tenho uma notícia boa: não existem muitas pessoas no local! Mas também tenho uma ruim: parece que Conde Rafael trouxe os nossos amigos para cá e os está mantendo prisioneiros em porões do vilarejo!
- Isso quer dizer que ele pode voltar a qualquer momento, certo?
- Sim...
- O que você acha meu amor?
- Nós precisamos arriscar! E eu não tenho medo, já que vocês estão ao meu lado!
- Então vamos lá cunhado!

A visão do vilarejo foi ainda mais deprimente do que eu havia imaginado, haviam casas com janelas e portas quebradas, abandonadas, derrubadas e/ou com pessoas tristemente sentadas na varanda. A alegria e a vida haviam sido tiradas daquele vilarejo há muito tempo e as pessoas estavam apenas vivendo uma semivida ali, na qual não lhes faltava suprimento, como em outros lugares, mas todos os dias eles viam pessoas sendo executadas ou levadas para a execução em outro lugar.
Hugo nos conduziu pelo vilarejo até uma estalagem, onde Raul estava a nossa espera. Conforme tínhamos sido instruídos, nós nos declaramos "caçadores de homossexuais" e estávamos a serviço de Conde Rafael na área. Desse modo, o estalajadeiro nos deu quartos para descansarmos e nos ofereceu comida, o que aceitamos de bom grado.
Depois disso, nos reunimos no meu quarto para planejarmos os nossos próximos passos, os quais foram divididos em grupos de tarefas, que era como Raul gostava de agir: eu e Bernardo iriamos nas casas dos moradores, para conseguirmos mais informações sobre o que vinha acontecendo no vilarejo; Tomás e Raul iriam em busca de armas e outros utensílios nas casas abandonadas; e Raul e Hugo iriam procurar a casa que abrigava as pessoas do nosso acampamento que haviam sido capturadas. Ficamos de nos encontrar em duas horas na estalagem, para fugirmos antes de Conde Rafael chegar, com todos as armas, utensílios, suprimentos e pessoas nós conseguíssemos.
Eu e Bernardo fomos em várias casas, em muitas das quais não fomos permitidos entrar, porém, de repente, enquanto andávamos por uma pequena rua, uma mulher aparentando meia idade nos chamou:

- Ei, vocês!
- O que foi senhora? Algum problema?
- Eu conheço vocês! Vocês estavam no acampamento!
- Como a senhora sabe sobre o acampamento?
- Por que o meu filho foi para lá...ele vinha me visitar às vezes...eu o deixei no acampamento e, antes de voltar para cá, eu lembro de ver vocês dois!
- O seu filho é homossexual senhora?
- Shh! Não repita essa palavra aqui! Entrem, depressa!

Nós entramos, então a mulher continuou:

- O que vocês estão fazendo aqui? É perigoso para alguém como vocês estar aqui! Conde Rafael tem vindo muito aqui nos últimos dias!
- Eu sei senhor...mas precisávamos comer e coletar suprimentos!
- Eu tenho o que vocês precisam aqui! Afinal, ser um "vilarejo das caçadas" trouxe uma espécie de riqueza a esse vilarejo nesse sentido! Apenas peguem tudo e vão embora, por favor! Eu não quero que aconteça a vocês o que aconteceu com o meu filho!
- O que aconteceu com o seu filho senhora? E por que a senhora não foi para o acampamento com ele?
- Ele...ele foi levado ontem...para uma "caçada"...e eu nem pude me despedir dele! Vejam bem, ele achou que eu estaria mais segura aqui, se mantivesse em segredo que tinha um filho homossexual, e realmente estou segura, mas jamais serei feliz novamente!
- Senhora...eu lamento a sua perda...mas junte-se a nós então...pegue os seus suprimentos e nos acompanhe, porque depois nós iremos vingar a morte de todas as pessoas que, como o seu filho, foram mortas por motivos tão fúteis!
- Eu não posso! Para mim a vida não tem mais sentido! Eu vou tirar a minha vida hoje, mas antes quero lhes ajudar a sair daqui, venham...

Ela empacotou vários suprimentos para nós e, em seguida, nos mostrou uma passagem no porão, dizendo:

- Este vilarejo já foi invadido diversas vezes, devido à sua localização, então o povo daqui aprendeu a se unir para lutar! Estas passagens dão acesso a quase todas as casas da rua e se ligam a diferentes locais dentro do vilarejo. Sigam por elas e tomem cuidado!
- Muito obrigado senhora! Mas qual o seu nome? e o do seu filho?
- Meu nome é Maria e o meu filho se chamava Paulo.
- Novamente muito obrigado Maria! Eu prometo que vamos vingar a morte do Paulo!

Nós caminhamos pelos túneis por alguns minutos e percebemos que tudo estava muito escuro porque, provavelmente, todos no vilarejo haviam obstruído as passagens das suas casas com algum móvel no porão. Porém, em certo momento, nós nos deparamos com uma fresta de luz e a seguimos, depois empurramos os pedaços de tábua que obstruíam a caminho e seguimos para o andar de cima, onde encontramos Raul e Hugo em uma cena que nos deixou desconfortáveis: estavam sem roupas em uma cena bastante quente.

- Como vocês dois chegaram aqui?
- Raul, vocês não deveriam estar procurando pelos reféns?
- Bem...sim, nós procuramos! Mas não achamos...
- Duas palavras: continue procurando! Vamos, nós não temos tempo! Vistam-se e depois nos sigam até o porão!
- Por que ao porão?
- Hugo, não discute! Vamos, apressem-se!

Nós voltamos ao porão e aguardamos Hugo e Raul descerem, então explicamos sobre as passagens que Maria tinha nos mostrado. Depois disso, entramos na passagem de onde tínhamos vindo e procuramos por novas "portas", até que encontramos outro feixe de luz e fizemos o mesmo que havíamos feito anteriormente: quebramos as tábuas, adentramos a casa e procuramos por elementos úteis. Fizemos isso mais cinco vezes, porém, na sexta vez encontramos algum bem mais valioso: cerca de vinte dos nossos amigos, que estavam amarrados a cadeiras e amordaçados. No andar de cima haviam dois guardas, que foram facilmente abatidos, visto que não esperavam que alguém surgisse do porão. Depois, nós libertamos todos os prisioneiros e, segundo eles, havia um grupo maior e mais bem guardado na casa ao lado, porém, de acordo com a nossa recém-adquirida perícia, não havia entrada pelo porão. Era isso que Maria queria dizer com quase!
Nós planejamos, junto com todos os prisioneiros, uma estratégia para entrar na casa ao lado de uma maneira que os guardas fossem neutralizados o mais rápido possível e não houvesse nenhum dano. No fim, concluímos que não teria como calcular tudo, então teríamos que arriscar.
A nossa investida foi bem-sucedida, embora algumas pessoas, incluindo Hugo, tenham ficado levemente feridas. No final conseguimos neutralizar dez guardas e libertamos mais trinta prisioneiros, dentre eles Fábio e Gustavo, que eram, assim como Raul, os líderes do nosso acampamento, o que aparentemente justificava a disparidade na segurança para aquela casa.
Depois de libertarmos todos os prisioneiros, voltamos à casa em que os primeiros foram encontrados e seguimos pelos túneis, confiando no senso de direção de Bernardo, o que era a nossa única alternativa, pois um grupo tão grande de pessoas chamaria muita atenção nas ruas. Depois de algum tempo, Bernardo bateu em algumas tábuas, as quais quebraram e revelaram um porão que, segundo Bernardo, deveria pertencer à estalagem. Ele estava certo, porém combinamos com os prisioneiros para que permanecessem nos túneis, onde Raul e Hugo distribuiriam racionalmente os suprimentos que havíamos encontrado. Enquanto isso, eu e Bernardo subimos até a estalagem, onde quase fomos flagrados pelo estalajadeiro, e então encontramos Tomas e William no quarto, os quais haviam acabado de chegar de sua bem-sucedida busca por armamento e suprimentos.

- Onde estão Hugo e Raul?
- Calma William, eles estão bem, mas preciso te explicar algumas coisas!

Bernardo explicou sobre as passagens entre as casas e sobre o nosso contingente de ex-prisioneiros, então Tomás disse:

- Bem, então vamos munir todos com as armas que achamos! Depois vamos tomar esse vilarejo!
- Apoio plenamente Tomás! Vamos tomar esse vilarejo como a nossa primeira base de resistência ao Conde Rafael!

Dito isso, nós caminhamos em direção ao porão. Tomás e William foram na frente, porém, quando eu e Bernardo íamos entrar, nós ouvimos uma voz familiar dizendo:

- Olá sobrinho! Que surpresa sem igual é encontrar-lhe aqui nesse fim de mundo! Quem diria, um nobre entre aquele monte de homossexuais sem-teto!

Eu me virei em direção à porta da estalagem, onde o meu tio estava localizado, então disse, com uma fúria no olhar:

- Ouça bem isso: Você vai perecer Conde Rafael! E vai em breve!

Depois disso, eu corri para o porão, fechei e tranquei a porta atrás de mim, então gritei para que todos corressem para os túneis. Naquele momento, eu jurei para mim mesmo que seria a última vez que fugiria de Conde Rafael, pois em breve eu iria obter a vingança que havia prometido para Maria.

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